segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Não resisto à tua cor

Não resisto à tua cor...
Danças-me no cinza
Deitas-te no preto
Tinge-me um sentimento
Que indisponível
É frágil e incerto.
É um perseguidor
Esse tal vil e só amor.
Um passo encoberto,
Nuvens de frieza
Congelam-te os pés.
Mas não te resiste
Esse tal vil e só amor
Que na cinza se queima
Em dor
E cega esse teu
Sexto sentido.
Traidor,
Esse fingido que se acha
E chama amor
E enfim nem pinta
Só assombra na tua tela.
É outro borrão que ardeu
Num segundo de estrela em vela
Num cinza que fugiu para o preto
E se desfez em aguarela.
Clara Godinho

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Não espero nada


"Não espero nada"

Admirável esquecimento
Que por entre as pedras 
Te entalas,
Em poeiras de memórias
Rasgadas
Nas folhas secas de vidas
Passadas.
Admirável, o sentimento
Que te entrego
E que te embalavem sofrimento
Ouvindo a sinistra amargura
Sibilar e ecoar
No firmamento
Onde procura
A doçura
do contentamento
Que se arrasta e se derrete
No espelho contrário se repete
Invertido, se dobra em leque
Tão confuso como a gota
Que se dispersa, ondulante e redonda
Na água adormecida que não se compromete.
Não te admiro
Muito menos te venero
Muito pouco eu já espero
Que olhes, ingrato à minha loucura.
Só o chão poderá ser um dia,
Quem sabe, no tempo
Sincero
Num segundo cinzento
A tua única partitura.

Clara Godinho

sábado, 24 de janeiro de 2015

Questões de etiquetas...


Este mundo anda ás avessas e se o vestes toda a gente repara. Não é só nas costuras que deviam estar para dentro, é na etiqueta que vestes. L, que gorda ali vai... Eu bem tento ser magra mas o mundo que vestimos está tão largo e usado como o túnel da gardunha ou aquelas leggins relaxadas de tanto as usares... Este mundo não é o mundo que vês no globo. Qual redondo qual quê? É realmente quadrado, um cubo, o que seja, mas tem os seus cantos onde colocam os que pensam ser restos da sociedade, os que não se parecem tanto com o ideal das revistas, ou bonecos fofos e idolatrados. Precisas de te despir do mundo e aí ainda te olham mais, para as imperfeições e para a tua irreverência. Toda a gente peca mas aos olhos dos outros deveríamos calçar bíblias. Grão a grão enche a galinha o papo mas só para os que têm cunhas, feitas de ouro, e as calçam à nascença para serem autorizados nas entradas do emprego. Porque o grão que actualmente comemos não chega a encher, antes de acontecer tal coisa já o estão a mandar cagar! Desculpem a linguagem, mas não há língua que humedeça este mundo. Eu bem tento alimentar esperanças mas elas passam da validade e estão contaminadas logo após de se produzirem. Qualidade individual, mas o mundo está cheio de inconformidades...Onde estão as regras? Não existem, cada um as faz, cada um desenha a sua própria perfeição. Há os que apanham tudo o que puderem sem olhar a meios, os que dão tudo o que tiverem sem pensar em rodeios. Amor, acho que só ocorre uma vez na vida. É aquele momento em que dizem que estar a subir nela, e com sorte encontras elevador. Outros com esforço escalam uma montanha. E só com sorte tens alguém para te receber lá em cima, uma uma porta aberta, porque hoje em dia viram-te as costas logo no primeiro degrau. E continuamos a tentar subir, e continuamos a cair. Todo o material acompanha o invisível. Tal como quando estás no charco molhado e sujo, podem passar por ti e sentir pena ou indiferença, até nas urgências já imitam a rua numa maca. Já foi o tempo em que era real e verdadeiro dizer "o que importa é ter saúde". Hoje o que importa é ter um mundo que te sirva e possas comprar.


Clara Godinho

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Hora da partida

Soavam as horas. Horas x. A noite soprava aquela brisa de verão que apesar de pedir casaco, convida também a longas conversas na varanda, a observar o céu estrelado e limpo nas redondezas de uma aldeia. Isto para os mais velhos. Aquela menina de 9 anos, estava habituada a ver a novela junto da avó e adormecer no seu quarto decorado de colagens. Estranho como as suas ideias eram sem dúvida espectaculares para ouvir um sermão. Fazia desenhos de tudo o que gostava, recortava e colava na parede com cola e não com fita. Posso dizer que ainda hoje o papel e a cola não saíram completamente. Deitou-se na cama de colcha aos ursos abraçados. Fechou a porta esmurrada...tanta história tem aquela porta! Ninguém sabe que o buraco foi feito por uma mão de um homem enraivecido. Ela sabia, mas como criança, a inocência levava a colocar o amor acima de todos os disparates que não iria NUNCA de maneira alguma imitar aos adultos. Rezou a oração do anjo da guarda:
"Anjinho da guarda
minha companhia
guardai a minha alma
de noite e de dia"




 E adormeceu. Partiu para o seu mundo feito de sonhos, emoções, cores e canções. Não vos posso garantir que o sonho era mesmo com este arco-íris todo, as noites apesar de demorarem longas horas parecem passar como a luz de um relâmpago aos nossos olhos. No curto intervalo de tempo que dormia, sei que estava a sonhar. Não havia noite que não tivesse sonho bom ou pesadelo, por mais sem sentido que fosse. Mas algo a perturbou, uma frase:

"Filha acorda. Vamos embora"

E um misto de choros e gritos, passaram diante dos olhos da menina. O irmão mais novo adormecido nem sequer acordava de tão pesados que eram os sonhos. Mas ela via o escuro, o colo do pai, lágrimas, súplicas, e despedidas. E só ficou marcada uma luz nos seus olhos antes de fechar a porta daquela casa antes de partir para a nova vida:

Três da manhã.


 E ainda hoje acordo com medo que a escuridão me rapte outra vez para uma outra vida. A esta hora que marcada ficou nos meus olhos de criança.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Amanhã será outro dia

Amanhã será outro dia.
Nova forma de acordar e puxar os lençóis, um pé igual ou diferente que pousa no chão. Será diferente o tipo ou quantidade de pardais que decidem cantar à janela. A quantidade de raios que atravessam o estoro e o vidro, a chuva que teima ou não em cair de uma só vez, mais ou menos gelada... Mudará o sentido do vento, o instante de cada ação. Mudará até o sítio do tempo na emoção, o prolongamento das mesmas duas horas de aula, no trabalho ou de almoço, conforme mudar a disposição, a companhia, a conversa...
Amanhã será outro dia.
Vão passar ao lado ou marcar presença risos de outros, pessoas a tropeçar, homicídios, suicídios, catástrofes ou simplesmente as notícias exageradas ou abafadas dos mesmos. Vai passar ao lado ou por cima de nós o estado do país, o país e o Estado, o preço do pão ou do peixe ou do gel duche do desconhecido que passa...ao lado.
Amanhã será outro dia.
Outro dia que parece que não passa ou que desejava que parasse e ficasse sempre igual, com as únicas páginas que o tempo guarda e não muda por mais diferente que se faça sentir. Memórias. De que ontem foi outro dia, e a mente mesmo assim aproveita algumas das suas "selfies" para ocupar um dos seus compartimentos. Ele vaza de memórias, dias que foram  dias, diferentes e acolhidos, agora amarrotados e transbordados da mente para o coração.
Amanhã será outro dia.
E amanhã deixa de contar o tempo... Deixa o tempo te contar os dias que tiveste e que te vai oferecer.


Clara Godinho